Algum tempo atrás, navegando pela Internet, encontrei uma página ligada auma igreja evangélica que fazia uma série de ataques ao Espiritismo, em todas as suas manifestações. Lendo alguns artigos, percebi que eles dedicavam especial atenção em atacar a doutrina da reencarnação. Não é por acaso: esse é um dos principais pilares das religiões de matriz espiritualista. Na mesma página havia um questionário tomado emprestado de uma organização católica, intitulado “20 Perguntas aos Reencarnacionistas”. Percebendo a inconsistência das perguntas, resolvi respondê-las, uma a uma. Como percebo que, em alguns momentos, nós, espíritas umbandistas, nos esquecemos um pouco desse fundamento, decidi publicar as perguntas e as respostas, até como forma de fomentar a reflexão sobre esse fundamento tão importante de nossa religião. Como o texto ficaria muito grande para ser publicado em um único artigo, irei dividi-lo em dez partes, com duas perguntas de cada vez.
DÉCIMA PRIMEIRA PERGUNTA
Ademais, por que se esforçar, combatendo vícios e defeitos, se a recuperação é praticamente fatal, ao final de um processo de reencarnações infindas?R- Todo esforço sincero é sempre meritório e será logicamente reconhecido por Deus. A pressa, contudo, é inimiga da perfeição. Qualquer pessoa de bom senso sabe que, a despeito dos esforços despendidos, ninguém se livra de todas as imperfeições eu uma única existência. O que fazemos a cada encarnação é dar mais um passo em nossa escalada rumo ao infinito, até porque a consciência é cumulativa. Uma vez superado um defeito, não voltamos a tê-lo e, no mais das vezes, podemos em uma nova existência auxiliar outras pessoas na superação daquilo que já vencemos. Contudo, somos dotados de livre arbítrio que nos permite também permanecermos estagnados, enquanto assim o desejarmos, até que a dor nos resgate de nossa própria indolência, de nossa própria recalcitrância, levando-nos a retomar o caminho da evolução.
DÉCIMA SEGUNDA PERGUNTA
Se assim fosse, então ninguém seria condenado a um inferno eterno, porque todos se salvariam ao cabo de um número infindável de reencarnações. Não haveria inferno. Se isso fosse assim, como se explicaria que Cristo Nosso Senhor afirmou que, no juízo final, Ele dirá aos maus: "Ide malditos para o fogo eterno?” (Mt. )
R- A conclusão é absolutamente correta. Assim é e, por isso, ninguém está condenado a um inferno eterno. Não existe inferno, assim como não existe um céu de contemplação e gozo eternos.Concepções religiosas pueris criaram mitos como o inferno com o objetivo de impor pelo medo uma conduta mais aproximada da moral defendida por seus cânones deformados e, no mais das vezes hipócritas.Na verdade, o conceito de inferno é medieval, como também o conceito de diabo. A Idade Média é um período de obscurantismo e estagnação cultural, marcado também pela aliança entre a Igreja e o Estado, aliança essa que precisava de dispositivos hábeis para preservar a obediência e a subserviência do povo aos poderes canônico e secular.Como a Igreja se arrogava o papel de representante de Deus na Terra, também se autoconsiderava um símbolo, isto é, uma coisa que aproxima, que liga ao criador. Dessa forma, todos os seus preceitos deveriam ser seguidos por aqueles que amassem a Deus e que principalmente O temessem.Em contrapartida, tudo o que fosse contrário aos princípios da Igreja era considerado como um diábolo, isto é, algo que afasta, contraria, distancia.Fácil, portanto perceber como diábolo se tornou no imaginário popular o diabo, figura mítica que supostamente se opõe a Deus e a toda a sua obra.O mito propositalmente criado encontrou na ignorância do povo medieval um terreno fértil para se propagar e criar raízes profundas o suficiente, para continuar a sustentá-lo, mesmo depois que as primeiras luzes da razão se fizeram sentir com o advento do humanismo e do renascimento. É que tais raízes também estavam fundadas no medo, que, nas palavras de Maquiavel, se sobrepõe ao amor, pelo menos quando se trata de uma humanidade primitiva e ainda guiada pelos instintos.Posteriormente, Lutero teve a oportunidade histórica de mudar tudo isso, porém, em que pesem os muitos acertos que suas teses continham, sua doutrina se perdeu num emaranhado de oposições formais ridículas, relativas a sacramentos e a práticas exteriores de adoração, sem qualquer compromisso com a efetiva reforma íntima dos fiéis. Seu legado espalhou-se pelo mundo, dando origem a uma absurda diversidade de seitas, diferenciadas, muitas vezes, apenas por palavras, mas, de um modo geral, por pequenos detalhes dogmáticos que geram discussões tão intermináveis quanto estéreis. Tais seitas, principalmente no Brasil, multiplicam-se na periferia das grandes cidades, encontrando enorme ressonância entre as populações excluídas, alimentando-se principalmente da ignorância e constituindo-se em um grande filão econômico: a exploração da fé cega e irracional.Imprescindível lembrar que toda essa diversidade de seitas tem na figura do diabo e no medo do inferno o seu principal sustentáculo, pois toda a sua força decorre de fazer as pessoas acreditarem que existe um embate constante entre Deus e essa personagem lendária, acentuando que Deus cobre de favores aqueles que, no calor da batalha, se mantiverem a seu lado. É um jogo de interesses. Esses incautos atraídos para essa armadilha se colocam na condição de mercenários, muitas vezes cobrando de Deus sob a forma de desafios o preço de sua fidelidade. Fica claro que para tais religiões, admitir a inexistência do diabo e do inferno significaria a aniquilação completa.No fundo, é até possível conceber um diabo, não como indivíduo, mas como um ente coletivo, formado e sustentado pelos interesses mesquinhos que sempre defenderam sua existência. Há algo mais próximo do inferno lendário que as fogueiras da inquisição assassina que fizeram arder a Europa ao longo de mais de quinhentos anos? Não parece muito fácil enxergar o inferno onde a intolerância dita as normas e produz os mais absurdos conflitos? Nesse sentido, quem sabe dizer qual é a verdadeira posição da Igreja de Roma quanto à famosa noite de São Bartolomeu, patrocinada por Catarina de Médicis, uma de suas filhas mais diletas? E para trazer a discussão para uma perspectiva histórica mais recente, quem está com a razão na encarniçada Irlanda? Católicos ou protestantes? Hipócritas. Matam, destroem, corrompem, promovem banhos de sangue, semeiam iniqüidade pelo mundo, negociam com a fé e afirmam fazê-lo em nome de Deus. Se o diabo existisse, esses seriam seus mais fieis e leais seguidores.Em relação às palavras de Jesus, vale dizer que o cristianismo tradicional sempre errou por literalidade, isto é, sempre se tomou ao pé da letra tudo aquilo que se encontra nos Evangelhos. Sucede que Jesus, conhecendo o primitivismo dos homens de sua época, falou sempre de modo figurado, pois sabia que somente o tempo e a evolução permitiriam aos homens entenderem o verdadeiro sentido do que se propunha a ensinar. Desse modo, é preciso interpretar os evangelhos, buscar atrás da alegoria a verdade.Note-se que, na citação em questão, Jesus não diz ide para o inferno eterno, mas para o fogo eterno. Ora, o fogo é na terra um dos principais elementos de transformação, suas propriedades permitem que se fundam e se moldem metais, que se cozinhem alimentos, que se transforme areia em vidro, que se movimentem máquinas sob a energia da combustão, que se esterilizem instrumentos e uma longa lista de utilizações, todas elas ligadas à transformação, à passagem de um estado a outro. Na semiótica mística, o fogo é um símbolo de purificação. Por outro lado, o universo e a criação são infinitos, sendo certo que sempre houve e sempre haverá mundos nos mais diversos estados evolutivos, uns mais primitivos, outros mais desenvolvidos, por isso a necessidade de transformação é tão eterna como o universo. Quando um mundo chega ao limiar de um novo estágio evolutivo, é necessário que aqueles espíritos que ainda não alcançaram o grau de evolução necessário para continuar habitando aquele mundo sejam removidos para outros mundos em estágios mais primitivos, a fim de que completem sua escalada evolutiva e tenham condição de retornar ao mundo anterior.Tal era o sentido das palavras de Jesus: Quando chegar o momento da passagem da Terra à seu novo estado, (simbolicamente o juízo final) ele dirá àqueles que ainda não estejam em condições de nela permanecer: Ide completar sua transformação em um mundo que se encontre em um estado evolutivo compatível com o seu (simbolicamente, ide para o fogo eterno da transformação que deverá purificá-lo para que aqui retorne no futuro).O próprio Cristo, em várias outras ocasiões deu indícios dessa verdade, como acontece no evangelho de João (XIV, 1 a 3), ao dizer que “há muitas moradas na casa de meu Pai”, referindo-se, obviamente, à diversidade dos mundos habitados e completando por dizer que “se assim não fosse, já vo-lo teria dito.”
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